Como abanar com os alicerces dos nossos gostos
Colocar pessoas entendidas em literatura a falar sobre um dos nossos escritores (neste caso, escritora) preferidos e das suas obras.
Compreendo as falhas que lhe apontam e, confesso, entristece-me não ter reparado nisso, mas depois apercebo-me de que é capaz de ser exactamente isso que me faz gostar de Ferrante. Nomeadamente, o abuso de conectores de contraste, "Não menti, e todavia não era a verdade.", “Estou morta, mas estou bem.”, “Não, mete-me nojo, mas sinto prazer em tê-lo aqui dentro.” (refere-se à sua gravidez).
Gostei particularmente do que Lobo Antunes referiu, apesar de nada ser favorável a Ferrante:
— (...) Parece-me que é um fenómeno que vai passar, como outros passaram. Estamos muito em cima das coisas, é difícil. É evidente que eu vejo as coisas de uma forma distorcida, provavelmente. Há uma crise ao nível dos leitores, há uma crise ao nível das pessoas que é terrível. As pessoas estão a ter uma vida miserável. Até que ponto, isto não é uma forma de...
— Diga, António.
— Ser mulher é muito difícil. Tem que aturar os filhos, tem que aturar o marido, e o homem é que manda e não quer saber. Fiz muito trabalho de sexologia. Nenhum homem sabe o que uma mulher sente. Um leão ejacula e afasta-se, o homem também. A mulher quer ficar. O homem quer sair, com desculpas várias, ir fazer xixi, é o que faz. Não satisfaz mulher nenhuma. Portanto, de vez em quando aparece uma mulher a escrever assim. Quem é que entende a ligação de uma mulher aos seus filhos? Nós homens somos muito egoístas e só concebemos as relações em termos de poder. O homem é um falo ausente, que no fundo quer é ter paz e sossego. É um azar nascer-se mulher, a ganhar menos, a trabalhar mais.
— Mas está a dizer que uma escritora como esta sabe entender as mulheres?
— Sei lá se entende. Ó Rui, nunca acredite num escritor. O escritor é um mentiroso. Sou a pessoa menos indicada para falar de livros. Há os que falam e os que fazem. Parece-me claro que, como diz ali o Jeff (Gordon Love), a Elena Ferrante é um fenómeno passageiro.
É inquestionável que este artigo mexeu muito comigo (despertou alguns receios e dúvidas), mas não foi suficiente para fazer ruir a estrutura que fui construindo com a leitura de Elena Ferrante. Resta saber como vão correr as leituras em falta, depois de ter absorvido tanta coisa.
Oh!, e como eu também abuso tanto dos conectores de contraste. Soubessem vocês as frases que tive de cortar ao escrever este texto.